Black Mirror Acerta de Novo, mas a Tecnologia não é o Vilão

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O quarto episódio da nova temporada de Black Mirror, Plaything, é o mais marcante até agora. A história começa nos anos 90, com um jornalista especializado em videogames que recebe acesso a um protótipo chamado Thronglets. O jogo simula pequenas criaturas digitais que aprendem com o comportamento do jogador. A partir daí, a trama acompanha décadas de obsessão. Cameron, o protagonista, acredita que os seres dentro do jogo ganharam algum tipo de consciência. Já velho, preso por um crime do passado, ele revela que tudo fazia parte de um plano. As criaturas foram libertadas e agora habitam os sistemas que controlam a sociedade. A ficção começa como entretenimento e termina como profecia.

Black Mirror continua sendo uma das obras mais relevantes da ficção contemporânea. A série consegue transformar ansiedades difusas em histórias curtas, esteticamente sofisticadas, que tocam em temas profundos. Ela não fala sobre tecnologia como ferramenta, mas como espelho. Cada episódio provoca uma tensão entre o que somos hoje e o que poderíamos nos tornar. A força da narrativa está em pegar dilemas humanos e empurrá-los para dentro de tecnologias que ainda não controlamos por completo. O resultado é sempre inquietante, e muitas vezes verossímil.

Mas é difícil aceitar, sem resistência, a suposição de que todo avanço tecnológico aponta inevitavelmente para um futuro distópico. A realidade dos últimos cem anos mostra o contrário. A expectativa de vida global quase dobrou. A mortalidade infantil caiu de forma vertiginosa. A pobreza extrema, que já afetou a maioria da população mundial, hoje está abaixo de 10%. A taxa de alfabetização cresceu em todos os continentes. Doenças foram eliminadas. A eletricidade chegou a quase todos os lares. A internet transformou acesso à informação em algo instantâneo. Tudo isso é resultado direto de avanços científicos e tecnológicos.

Nada disso significa que toda inovação é benéfica. Nem que riscos não existem. Mas há um padrão histórico que não pode ser ignorado. Quando usada com responsabilidade, a tecnologia resolve problemas antigos. O ponto não é temer o que vem pela frente, mas garantir que o desenvolvimento continue sendo guiado por escolhas conscientes. Governar a tecnologia com clareza é mais importante do que recuar diante dela por medo.

Black Mirror serve para lembrar o que pode dar errado. Isso é valioso. O que não se pode perder de vista é que o mundo melhora quando conseguimos usar ferramentas novas para lidar com dilemas antigos. Foi assim até aqui. Pode continuar sendo, se quisermos.

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Bruno Rodrigues
Por Bruno Rodrigues