IA, bactérias e a história invisível do oxigênio

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Pesquisadores de diferentes instituições utilizaram inteligência artificial para reconstruir parte da história evolutiva da Terra. Ao integrar dados genéticos, fósseis e registros geológicos, eles conseguiram projetar uma nova linha do tempo para o surgimento da respiração aeróbica. A investigação aponta para um cenário inesperado: algumas linhagens bacterianas já utilizavam oxigênio em seus processos metabólicos cerca de 3,2 bilhões de anos atrás. Isso ocorre quase um bilhão de anos antes do oxigênio se tornar abundante na atmosfera.

A presença de oxigênio como componente central da biosfera foi, por muito tempo, associada ao surgimento da fotossíntese. A ideia predominante era que microrganismos fotossintéticos, como as cianobactérias, liberaram oxigênio em larga escala, desencadeando um processo que culminou no chamado Grande Evento de Oxigenação. Só então, organismos capazes de usar esse oxigênio teriam começado a proliferar. As novas análises genéticas desmontam essa ordem causal. Mostram que a capacidade de respirar oxigênio antecede, em muito, sua disponibilidade atmosférica.

Essa reinterpretação só foi possível porque os cientistas ultrapassaram os limites do registro fóssil. A vida microbiana raramente deixa vestígios preserváveis, o que torna a cronologia de seus avanços especialmente difícil de definir. Para contornar essa limitação, a equipe usou modelos de machine learning para identificar padrões em genomas de bactérias ancestrais. Esses modelos projetaram, com base em dados modernos e fósseis indiretos, quais genes já estavam presentes em linhagens muito antigas.

Os resultados indicam que ao menos três grupos distintos de microrganismos desenvolveram, de forma independente, mecanismos de respiração aeróbica. Isso implica a existência de nichos localizados com presença de oxigênio, possivelmente gerados por processos geoquímicos. Esses microssistemas teriam oferecido as condições necessárias para o surgimento de uma forma de metabolismo que, mais tarde, se tornaria dominante em escala global.

A inteligência artificial não atuou apenas como ferramenta auxiliar, mas como parte estrutural do método científico. Diante de lacunas profundas e registros parciais, ela permitiu construir inferências robustas com base em padrões evolutivos. Essa forma de investigação representa um novo paradigma na ciência. Não substitui observações empíricas, mas amplia as possibilidades de interpretação quando os dados físicos não dão conta da complexidade envolvida.

A aplicação de IA em contextos incertos está se tornando uma competência essencial. Em áreas como biologia evolutiva, climatologia, história, economia e saúde pública, a capacidade de extrair sentido de conjuntos de dados incompletos define a fronteira entre o possível e o inatingível.

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Bruno Rodrigues
Por Bruno Rodrigues