O mundo pode se recuperar da dependência de redes sociais

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A promessa da internet era libertadora: acesso imediato à informação, conexão com o mundo inteiro e a ideia de uma sociedade mais próxima e inovadora. Em parte, essa visão se cumpriu, mas o advento das redes sociais e o uso cada vez mais onipresente dos smartphones mudaram drasticamente nossa relação com a tecnologia. A mesma ferramenta que nos conecta também passou a exigir nossa atenção constante, criando uma dependência com efeitos nefastos.

As redes sociais são projetadas para nos manter conectados. Suas linhas do tempo infinitas nos mantêm entretidos por horas. Cada curtida e cada notificação gera um pequeno estímulo de recompensa, alimentando a vontade de voltar diversas vezes ao dia. Para as plataformas, essa dinâmica é um modelo de negócio ideal — quanto mais tempo passamos conectados, mais dados são coletados e mais anúncios são exibidos. Para o usuário, porém, isso pode significar perda de foco, ansiedade e até uma sensação de dependência, agravada pela onipresença do smartphone em nosso cotidiano.

Se olharmos para a queda do tabagismo no Brasil, encontramos um exemplo encorajador de mudança de hábito em larga escala. Por meio de leis claras, campanhas de conscientização e um novo olhar social, fumar deixou de ser algo socialmente admirado e se tornou pouco atraente. No caso da tecnologia, não se trata de proibir ou demonizar a interação online, mas de questionar o modelo que favorece o engajamento a qualquer custo. Esse alerta se estende também ao smartphone, pois é ali que passamos boa parte do tempo.

O psiquiatra Viktor Frankl notou que, entre o estímulo e a resposta, há um espaço onde reside a liberdade de escolha. As redes sociais trabalham para reduzir esse espaço ao mínimo, disparando notificações constantes e atualizações sem pausa. Com o smartphone sempre à mão, esse processo de engajamento involuntário se torna mais intenso: reagimos por reflexo, sem avaliar se aquilo faz sentido para o momento. Precisamos, portanto, expandir esse intervalo, retomando o controle sobre quando e como interagimos no mundo digital.

As críticas mais duras devem recair sobre o design desses aplicativos, que prioriza o engajamento a todo custo — mesmo que isso signifique estimular comportamentos viciantes. Não é à toa que tantos usuários relatam não conseguir largar os apps ou sofrem de ansiedade ao ficar longe do smartphone por algumas horas. O problema não é a tecnologia em si, mas a forma como ela é concebida e direcionada para prender nossa atenção.

É injusto esperar que as pessoas resolvam sozinhas sua relação com as redes e smartphones, se ambos são projetados para maximizar o tempo de uso. O exemplo do cigarro nos lembra que políticas de conscientização, pressão social e possíveis ajustes regulatórios podem ter um impacto gigantesco. E o mundo está começando a tomar ações claras: Austrália e China estão entre os países com leis mais duras nesse sentido. Aqui no Brasil, o senado acaba de aprovar lei que proíbe smartphones em escolas públicas e privadas de todo o país, na tentativa de melhorar a concentração e reduzir a ansiedade dos estudantes.

Avanços como realidade virtual, realidade mista e inteligência artificial prometem tornar nossas interações ainda mais imersivas. Se deixarmos tudo seguir a lógica do engajamento, corremos o risco de cair em padrões ainda mais intensos de dependência. Mas, se pararmos para refletir, e exigirmos modelos que priorizem a saúde mental e o bem-estar, talvez possamos construir uma cultura em que as redes e os smartphones sejam apenas instrumentos de colaboração e inspiração, em vez de motores de ansiedade e distração contínua.

A experiência brasileira no combate ao tabagismo não é apenas um dado histórico: é a prova de que práticas prejudiciais podem perder força com os incentivos certos. Com as redes sociais e o uso abusivo dos celulares, pode ser igual. Podemos lutar contra o hábito de passar incontáveis horas no feed.

Ainda há tempo de recuperar a “bicicleta para a mente” que Steve Jobs idealizou para a computação, só que desta vez com mais controle sobre o guidão. À medida que leis começam a surgir para proteger crianças e jovens do uso excessivo dos smartphones e das redes, podemos ter esperança de que um futuro mais consciente e equilibrado é possível. Afinal, a tecnologia foi criada para nos servir, não para nos escravizar. Nosso desafio é garantir que continue assim.

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Bruno Rodrigues
Por Bruno Rodrigues