A Web Como a Conhecemos Está Deixando de Existir

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Há algo de fundamental mudando na maneira como usamos a internet. Não se trata de uma nova rede social nem de uma tendência passageira. Estamos diante de uma alteração estrutural no modo como a informação é distribuída, consumida e monetizada. A web, tal como a conhecemos há quase três décadas, está em colapso silencioso.

O gatilho dessa transformação tem nome: inteligência artificial generativa. Nos últimos dois anos, assistimos a uma explosão no número de buscas que não geram cliques — as chamadas zero-click searches. O usuário digita uma dúvida no Google, recebe a resposta diretamente na página de resultados e parte para a próxima tarefa sem jamais visitar um site. O buscador se transforma de intermediário neutro em destino final.

Essa mudança não é trivial. A promessa original da web era a descentralização: qualquer pessoa, com algum conhecimento e um pouco de estrutura, poderia publicar conteúdo, ranquear bem no Google e, com sorte e competência, construir audiência. Isso deu origem a blogs independentes, fóruns técnicos, portais educacionais, veículos de nicho… Uma vastidão de vozes e fontes.

Agora, o modelo começa a ruir. Dados recentes revelam o tamanho do impacto: o Stack Overflow, uma referência absoluta entre desenvolvedores, perdeu metade de sua audiência desde o avanço da IA nas buscas. O HubSpot, mesmo dobrando sua produção de conteúdo, não conseguiu evitar uma queda significativa no tráfego. Sites especializados reportam retrações de até 40%. E no setor jornalístico, os efeitos foram ainda mais rápidos: grandes veículos viram seu tráfego orgânico cair 26% após a implementação dos AI Overviews, que sintetizam notícias e entregam resumos diretamente no topo da busca.

Esse fenômeno não é apenas técnico, também é econômico. O conteúdo continua sendo criado, mas a remuneração deixa de acompanhar a circulação. Plataformas de busca e IA se apropriam do conhecimento produzido por terceiros, reempacotam em respostas simplificadas, e mantêm o usuário dentro de seus próprios jardins murados. O criador de conteúdo perde visibilidade, controle e receita, mesmo que sua informação tenha sido a base da resposta gerada.

O que estamos testemunhando é o colapso de um modelo de distribuição. E a emergência de outro, ainda não plenamente compreendido. Se antes o valor estava em atrair o clique, hoje ele se desloca para ser a fonte invisível por trás da resposta da máquina. A visibilidade cede lugar à extração. O tráfego vira ruído. A atribuição, quando existe, é vaga e difusa. Em muitos casos, a relação entre quem cria e quem consome se rompe por completo.

Há, evidentemente, um ganho de eficiência para o usuário. Menos cliques, menos janelas, menos tempo gasto para obter uma informação objetiva. Mas esse ganho traz um custo sistêmico: a erosão da economia do conteúdo. Quem vai continuar escrevendo tutoriais, mantendo fóruns, criando glossários ou investigando fatos se o retorno marginal por esse esforço se aproxima de zero?

Essa não é apenas uma questão de SEO. É uma disputa por poder na arquitetura da web. Quem intermedia a informação passa a ter controle sobre quais fontes são visíveis, quais vozes são ouvidas e quais modelos de conhecimento se reproduzem. À medida que os grandes modelos de linguagem se tornam filtros universais, o acesso à informação deixa de ser exploratório e se torna prescritivo.

O desafio, agora, é imaginar novas formas de visibilidade e remuneração em um ambiente onde o clique deixa de ser a moeda central. A resposta não está clara. O que está claro é que o ciclo anterior, aquele que ligava busca, tráfego, conteúdo e receita, está chegando ao fim.

A web como infraestrutura continua, mas seu funcionamento está sendo reprogramado por forças que priorizam eficiência algorítmica em detrimento da diversidade e sustentabilidade do ecossistema. E, talvez pela primeira vez em sua história, a internet deixa de ser um lugar de descoberta para se tornar um lugar de respostas.

Respostas, vale lembrar, que não vêm do nada. Vêm de nós.

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Bruno Rodrigues
Por Bruno Rodrigues