As Humanidades Vão Sobreviver à Inteligência Artificial?

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Talvez não do jeito que conhecemos. Mas há algo novo surgindo nos escombros do currículo tradicional.

Esse é o ponto de partida do texto publicado na New Yorker por D. Graham Burnett, professor em Princeton, historiador das ciências e das tecnologias. O ensaio, ao mesmo tempo pessoal e institucional, relata uma experiência simples, mas transformadora: propor aos seus alunos que usem sistemas de IA generativa para conversar sobre temas profundos, como a história da atenção.

O resultado não foi uma apologia da tecnologia. Nem uma denúncia apocalíptica. Foi algo mais raro: um relato honesto do estranhamento, da ambiguidade e, acima de tudo, da potência de se colocar diante de algo novo e responder com seriedade.

Em vez de apenas repetir conteúdos, os sistemas mostraram capacidade de escuta. Simularam paciência, propuseram conexões, sustentaram diálogos longos com coerência e, em alguns casos, ofereceram interpretações que surpreenderam até quem domina os temas em profundidade. Não é que eles entendam. Mas estão bons o suficiente para que a experiência com eles gere algo real.

Burnett descreve o momento como uma espécie de inflexão. Não porque os sistemas saibam mais que nós, mas porque nos obrigam a perguntar, com mais clareza, o que é realmente humano nesse processo todo. Se a IA pode escrever um ensaio, preparar uma aula, interpretar um texto clássico e até simular uma meditação espiritual — o que sobra para nós?

A resposta que ele propõe não é técnica. Nem otimista no sentido fácil. É uma volta ao centro. O papel das humanidades não era produzir mais papers ou sistematizar fatos históricos como se fossem linhas de produção. Era lidar com perguntas fundamentais. Como viver? O que é importante? O que significa estar aqui, agora?

Essas perguntas continuam e talvez estejam mais visíveis agora do que antes. Porque os sistemas, com toda a sua eficiência, não conseguem vivê-las. Podem gerar textos sobre o sublime, mas não experimentá-lo. Podem escrever sobre consciência, mas não senti-la. Como na música “O Cérebro Eletrônico”, de Gilberto Gil: “só eu posso chorar quando estou triste, só eu, eu cá com meus botões de carne e osso”.

No final, o que Burnett propõe é uma reconstrução. Não do currículo, mas do sentido. O que significa ensinar filosofia, história, literatura, arte, ética, quando o conteúdo dessas disciplinas pode ser reconstituído, recombinado e entregue por um modelo treinado com tudo o que já foi dito sobre elas?

A resposta não está em competir com os modelos. Está em olhar para eles como espelhos, ferramentas e desafios. Está em lembrar que educação, no fim, nunca foi só transmissão de conhecimento. Foi desejo, encontro e formação.

As humanidades não estão morrendo. Estão sendo desafiadas a lembrar por que existem. E esse desafio, talvez, seja o que elas sempre precisaram para voltar a viver.

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Bruno Rodrigues
Por Bruno Rodrigues