Um tribunal de apelação nos Estados Unidos reafirmou um ponto central na discussão sobre criatividade e tecnologia: obras produzidas inteiramente por inteligência artificial não podem receber proteção de direitos autorais. A justificativa é simples e contundente: falta autoria humana. Sem um criador reconhecível, não há quem possa reivindicar o copyright.
Essa posição jurídica não é inédita. Ela remete ao episódio da selfie do macaco, em que um animal, e não uma pessoa, apertou o botão da câmera. O caso acabou se tornando um marco para definir a fronteira da autoria. A foto existia, circulou amplamente, mas não pôde ser registrada como obra protegida porque nenhum ser humano havia criado a imagem de forma intencional.
A decisão mais recente reacende uma pergunta essencial para o tempo em que vivemos: o que ainda é criação humana, num mundo onde sistemas automatizados geram imagens, textos, vídeos e até códigos com mínima ou nenhuma intervenção direta? Por enquanto, a maioria dos projetos criativos com IA ainda depende fortemente de direção humana. São processos em que a máquina é usada como ferramenta, dentro de uma lógica de composição que continua sendo guiada por escolhas, critérios e intuições humanas.
Mas isso está mudando. À medida que os modelos se tornam mais autônomos, cresce a possibilidade de gerar obras com pouca ou nenhuma curadoria humana. O que antes parecia uma curiosidade técnica pode se transformar em desafio legal e econômico. Quem assina? Quem responde? Quem detém os direitos sobre algo que foi apenas solicitado, mas não diretamente concebido?
A discussão não é apenas jurídica. Ela toca na ideia de originalidade e na forma como entendemos valor criativo. Em um cenário onde a produção se torna abundante e indistinta, proteger o que é humano exige critérios novos. Não basta perguntar se uma obra é boa. É preciso entender como ela surgiu.
O ponto de equilíbrio ainda está longe. Mas a jurisprudência recente mostra que a resposta da lei, por enquanto, continua ancorada em uma premissa antiga: só há direito autoral onde há autoria. E a autoria, pelo menos até aqui, ainda é uma prerrogativa humana.