Está ficando claro para todos que não há segredos duradouros em IA. Modelos de Inteligência Artificial vivem de pesquisa — e, nesse mundo, inovações se espalham rapidamente entre laboratórios, startups e gigantes de tecnologia. Sendo assim, o que garantiria uma vantagem competitiva real a uma empresa que aposta em IA?
Minha aposta e de muitos são os dados proprietários. São eles que podem constituir um moat, protegendo a liderança de quem detém informações valiosas, exclusivas e difíceis de reproduzir. Neste artigo, vamos entender por que, em meio ao avanço frenético dos modelos de IA, os dados particulares de cada negócio se tornam o ativo mais disputado.
O avanço coletivo da IA
Algoritmos, arquiteturas de redes neurais e métodos de treinamento se tornam commodities muito rapidamente. Basta um paper relevante ser publicado para aquele novo método se popularizar. A ponte entre a descoberta e a replicação é cada vez mais curta.
Open source tem sido um grande vetor de disseminação de conhecimentos em IA. O modelo de linguagem Llama, por exemplo, da Meta, rapidamente inspirou forks e variações desenvolvidas por grupos independentes. Isso demonstra como mesmo um modelo avançado pode perder exclusividade rapidamente quando se abre a caixa-preta.
O que são dados proprietários?
Dados proprietários são informações específicas que só a sua empresa (ou um grupo muito restrito) coleta e consolida ao longo do tempo. Exemplos incluem:
- Dados de uso e performance de produtos: dispositivos IoT e métricas de telemetria em geral, que mostram o comportamento do usuário no mundo real, podem ter grande valor para treinar algoritmos de diagnóstico ou personalização.
- Base de interações ou comportamentos em plataformas: redes sociais, plataformas de streaming e sistemas de comércio eletrônico que acumulam trilhões de registros de cliques, visualizações e compras.
- Bancos de imagens ou vídeos altamente específicos: em setores como saúde, radiografias e exames médicos rotulados constituem um dataset difícil de coletar — e com alto valor de treinamento para algoritmos de detecção de doenças.
- Dados transacionais sigilosos: bancos, seguradoras e grandes varejistas possuem históricos volumosos de transações, essenciais para construir modelos de risco, recomendação de produtos, etc.
- Conteúdo próprio: artigos, vídeos, cursos e outros conteúdos produzidos pela equipe da empresa ou profissionais subcontratados são uma fonte valiosíssima de informação curada que pode alimentar os algoritmos.
A principal característica é que esses dados não estão simplesmente disponíveis na internet. São frutos de relações de longo prazo com clientes, sensores instalados em produtos físicos ou acordos de confidencialidade que tornam difícil — e às vezes impossível — alguém replicá-los.
Algoritmos mais poderosos
Se dois modelos de IA são arquitetonicamente parecidos, mas um tem acesso a um volume maior (e melhor) de dados, ele tende a apresentar desempenho superior ao ser aplicado em cenários reais. E quanto mais os algoritmos aprendem com dados relevantes, mais inteligentes eles ficam, em um ciclo virtuoso de retroalimentação.
Existem domínios em que a curadoria de dados é extremamente desafiadora. Pense no setor de energia, em que dados de geologia e exploração de poços são distribuídos entre poucas empresas. Ou em grandes frotas de automóveis, em que só algumas gigantes conseguem capturar e processar bilhões de quilômetros rodados anualmente. Esse conhecimento específico faz toda a diferença na precisão dos modelos.
Caso sua empresa seja a única a coletar certo tipo de dado, outros players não conseguem igualar essa base de treinamento sem grandes investimentos — muitas vezes, inviáveis ou demorados. Enquanto eles tentam recuperar o atraso, sua empresa consolida a liderança de mercado.
Exemplos de estratégias focadas em dados
- Tesla e dados de direção
Com milhões de carros conectados em circulação, a Tesla recolhe informação de condução em cenários que vão de estradas congeladas a ruas esburacadas na zona rural. Esse dataset massivo alimenta os sistemas de direção autônoma e, por ser quase impossível reunir a mesma frota e condições, se torna um ativo formidável.
- Redes sociais e comportamento do usuário
Plataformas como o X (antigo Twitter), Facebook ou YouTube contam com trilhões de interações, likes, compartilhamentos e metadados sobre o que chama a atenção do público. Esse conhecimento, aplicado a IA, lhes permite criar algoritmos de recomendação incrivelmente eficientes — difíceis de serem reproduzidos por qualquer concorrente que tenha menos escala.
- Empresas de seguros e análise de risco
Uma seguradora que atua há décadas em vários países acumula histórico minucioso de sinistros e perfis de clientes. Ao alimentar modelos de classificação de risco, esse dataset único torna suas projeções de perda mais exatas do que as de um novato no ramo.
Como captar e proteger dados proprietários
1. Incentivos e acordos de troca de dados
Para obter dados cada vez mais granulares, algumas empresas oferecem incentivos diretos a clientes ou parceiros — descontos, serviços VIP ou programas de fidelidade em troca do compartilhamento de informações de uso. Além disso, firmam acordos de troca com fornecedores e distribuidores para reunir dados ao longo de toda a cadeia produtiva.
2. Arquiteturas de coleta seguras e escaláveis
É crucial ter infraestrutura robusta para armazenar e processar grandes volumes de informações com segurança. Isso inclui políticas de governança, criptografia e segregação de dados que garantam conformidade legal (pense em LGPD, GDPR, HIPAA etc.).
3. Rotulagem, limpeza e qualidade
Dados brutos, cheios de ruído ou sem padronização, não ajudam muito no treinamento de IA. Investir em data engineering (limpeza, padronização, enriquecimento) e rotulagem (especialmente em áreas como visão computacional ou detecção de fraudes) pode custar caro, mas é onde se constrói uma vantagem sólida. Se é difícil fazer, também é difícil para o concorrente imitar.
O futuro da vantagem competitiva em IA
Com mais modelos surgindo e o custo de desenvolvimento caindo, é natural que grande parte da indústria encare os algoritmos como peças intercambiáveis. Mas quando se olha para os dados, a situação muda. Cada empresa precisa fazer as contas: Quais dados só nós temos? E como eles podem ser transformados em insights ou produtos únicos?
- Personalização extrema
Se você tem dados proprietários ricos, pode oferecer soluções personalizadas que nenhum concorrente iguala. Por exemplo, criar previsões de demanda sob medida para cada cliente, considerando variáveis que só você monitora.
- Monetização de dados
Empresas com dados muito valiosos podem licenciar parte dessas informações para terceiros ou criar plataformas B2B, transformando-se em provedoras de conhecimento de mercado.
- IA como serviço interno
Em vez de simplesmente vender software, a empresa passa a integrar as soluções de IA internamente, otimizando produtos, logística e atendimento de forma invisível mas efetiva.
Dados são a nova fronteira
O valor dos dados proprietários é inegável. Eles são o que diferencia um modelo que só leu textos genéricos na internet de uma IA capaz de entender, prever e intervir em problemas complexos e específicos. No entanto, é importante lembrar que dados por si só não bastam se não houver uma estratégia clara de coleta, qualidade e aplicação em produtos e serviços que realmente gerem valor.
Investir em dados proprietários pode ser a melhor forma de defender seu espaço em um mercado onde inovações tecnológicas se espalham em um piscar de olhos. Nesse sentido, dados são tão (ou mais) preciosos que o melhor dos algoritmos.